quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Aqui


- Bom dia.
- Bom dia!
- Você sabe me dizer onde eu estou?
- Bem aí.
- Mas aqui onde?
- Aí, ué.
- Sim, mas onde é aqui?
- Como assim, onde é aqui? Claro que aqui é aqui, e ali é ali. Lá é lá, e lá acolá é lá acolá. Deixe de besteiras e faça o que tem que fazer.
- Eu não sei o que eu tenho que fazer!
- Faça o que foi feito pra fazer, ora bolas!
- Mas se eu não sei nem onde é aqui, ou ali, ou acolá, ou onde quer que seja, como diabos vou saber o que tenho que fazer aqui?
- E se você não tiver nada pra fazer aqui? E se tiver que fazer ali?
- Mas ali onde???
- Ali, ó!
- Ali?
- Não, aí não, ali!
- Onde? Aqui?
- Não meu amigo, não aqui, ali!
- Você está me confundindo!
- Vamos fazer assim, dê um passo pro lado.
- Assim?
- Isso.
- Tá.
- Agora dê dois passos para trás.
- Certo.
Agora um passo para o outro lado.
- Tudo bem.
- Agora, dois passos pra frente.
- Um, dois... pronto.
- E então?
- Mas eu estou no mesmo lugar que estava antes!!
- Pois é, mas agora você já esteve ali, acolá, bem ali, e voltou para cá.
- ...
- Você está bem?
- Estou. Ótimo. Supimpa!
- Que bom, então seja bem vindo!
- Mas bem vindo a onde, pelo amor de Deus?!
- Bem vindo a Aqui.
- Ugh.
- Amigo, você está bem? Tem uma veia enorme se formando na sua testa, parece que vai explodir.
- Estou ótimo, esplêndido!
- Não parece.
- Sério? Por que você diz isso?
- Não sei, talvez seja essa quantidade de suor pingando no chão, ou o fato de que você está mordendo a língua tão fortemente que parece que daqui a pouco ela vai se partir. Mas o que chama a atenção mesmo é o fato de que você está tremendo todo.
- Uhum.
- Uhum?
- Uhum.
- Como assim “uhum”.
- Apenas “uhum”.
- Amigo, venha aqui, deixe eu lhe ajudar com esse stress todo.
- Ahá! Ahá! Rá! Te peguei! Como eu posso ir aí, se aqui é aqui? E se aí fosse aqui, aqui então não seria aqui, seria ali, ou acolá. E acolá nunca seria ali, acolá seria acolá. E ali seria ali, e ali seria aqui, e aqui então seria bem ali, e ali seria lá e ... AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH...
- Que gritaria toda é essa?
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH...
- Sei lá, ele está confuso, acho que perdido, não sabe onde está.
- AAAAAAAAAAAAAAEEEEEEEEHHHHHHHHHHH...
- Pobre coitado. Desorientação é algo grave.
- UUUUUUUUUUAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH...
- Pois é, não sabe nem onde é aqui.
- AAAAAAAAAAAAAQQUUUUUUUUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII...
- Ei, chorão, tudo bem por aí?
- humf, humf, humf... quem... humf é... humf você?
- Eu sou João.
- João?
- Sim, João.
- Mas como assim João?
- João, e pronto. Como em João e o Pé de Feijão, mas sem o Pé de Feijão. Só João.
- João. Tá. Tá bom. Mas e ele?
- Ele não importa mais, já não está nem aqui.
- Como assim? Ele tava aqui agorinha! Eu juro! Pra onde ele foi?
- Foi embora.
- Mas... Mas... Mas embora pra onde? E principalmente, embora de onde?
- Ele foi pra lá, e foi embora daqui.
- AH! AH! AAAAAHHH! AAAAHHHHHH!
- Começou a guinchar de novo... Pode parar com isso, é irritante.
- Desculpa.
- Tá desculpado.
- Obrigado.
- Não há de quê.
- É que o outro lá me deixou doidinho, falando de aqui e ali, aqui e ali.
- É, ele é meio lelé mesmo. Nem sabe onde ele está.
- E você sabe?
- Sim.
- Sabe mesmo.
- Sei sim.
- De verdade?
- Verdade pura.
- E onde estamos então?
- Aqui.
-...
- Amigo? Amigo? Tudo bem aí no chão?
- Hã?
- Sou eu, João. Você de repente caiu.
- Caí?
- Sim, bem aqui ó.
- ...
- Ei, ei! Não desmaia de novo! Abre os olhos!
- Me larga, vou morrer bem aqui!
- Nada disso, é proibido morrer aqui.
- Ai ai, que droga de lugar é esse que não tem nome e as pessoas nem podem morrer?
- E quem disse que aqui não tem nome?
- Você e ele!
- Ele nem tá mais aqui.
- Eu sei! Eu sei!!!!!!!!!!!!!
- Epa, não grite aqui, também não pode!
- Grito sim!
- Não é permitido gritar aqui.
- Eu grito sim, quer ver?
- Na verdade não...
- MÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!!! MÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!!! 
- Isso é um grito? Pareceu mais um balido.
- É que estou com a garganta seca.
- Se quiser, ali atrás tem água.
- Quero sim, mas ali atrás onde?
- Ali atrás, depois dali.
- Ai meu coração!
- Tudo bem aí amigo?
- Tudo... Tudo... Acho que tive mais um infarto.
- É, desorientação é difícil mesmo.
- Que desorientação que nada, eu só quero saber onde estou!
- Então, se não sabe onde está, obviamente é uma pessoa desorientada.
- Olha João, eu não sou um desorientado tá legal? Só não sei onde estou.
- Já falei, você está a...
- Para! Não vem com essa! Não vem falar que estou aqui! É claro que sei que estou aqui! Mas onde é aqui?
- Aqui é aqui.
- ...
- Seus olhos estão vermelhos, isso nunca é bom.
- Espera! Já sei! Vocês estão querendo me sacanear não é? Ficam dizendo que aqui é aqui, só pra me deixar doido, depois sai dali de trás alguém da produção do programa de câmera escondida com um papel pra eu assinar, não é?
- Acho que não hein.
- Acho que sim hein.
- Não! Claro que não!
- Amigo, calma, não se exalte. Vem, levanta, me dá a mão.
- Nunca! Vou deitar aqui e morrer.
- Não pode morrer aqui. Só pode morrer lá.
- Sniff. Sniff. Por favor, para com isso, por favor para com isso, por favor para com isso...
- Com isso o que? E segura aqui no meu braço, levanta.
- Certo. Mas que fique registrado que estou levantando por coerção, e que minha vontade mesmo era de morrer.
- Tudo bem. Anotou isso Vicente?
- Anotei sim João. No relatório diz “O Recém chegado apresenta imensa desorientação, e mesmo sabendo que não pode morrer aqui, insiste em ficar deitado no chão até morrer. Foi posto de pé com ajuda de João, mas afirma que sua vontade é de morrer”. Algo mais?
- Sim, não esqueça de mencionar o mau gosto dele para roupas.
- PERAÍ! Quem é você, de onde você veio, e o que está fazendo? E como assim mau gosto para roupas?
- Ele é o Vicente.
- Eu sou Vicente. Prazer.
- Ele veio de longe.
- Eu vim de Longe.
- Ele é o escrivão.
- Eu sou o escrivão.
- E suas roupas são bem feias.
- Sim, suas roupas são feias.
- Não tem nada de errado com minhas roupas! E onde você estava até agora a pouco?
- Claro que tem muito de errado com suas roupas. Veja bem, ninguém usa mais isso. E esses sapatos beges, que coisinhas feias!
- Que coisinhas feias, sim senhor. E eu vim de longe, mas estava aqui o tempo todo.
- Não tava não. E eles são elegantes, ok?
- Ele estava sim. E não, mentiram pra você dizendo que eram elegantes.
- Sim, eu estava aqui antes de você chegar aqui. E são bem feinhos, acredite sim.
- Eu também acho eles feios.
- Ai meu Deus, e quem é você agora?
- Oi Félix.
- Bom dia Félix.
- Oi João, bom dia Vicente. Oi novato, sou Félix.
- Não sou novato! E você faz o que? Deixa adivinhar, é o cara da produção que vai dizer pra mim que isso é uma pegadinha, certo?
- Não, estou só de passagem. Passo todo dia por aqui. Tchau João, tchau Vicente. Até mais novato.
- Tchau Félix.
- Tchau Félix.
-  Não sou novato!
- Gente boa o Félix.
- Cá entre nós João, acho ele meio exibido. Passa por aqui todo dia, só pra se exibir.
- Talvez.
- Mas enfim, vou voltar pra ali, continuar a registrar. Até logo pessoal.
- Até.
- ...
- Que foi?
- Pra onde ele foi?
- Pra lá.
- Tá. E fazer o que lá.
- Registrar.
- E registrar o que?
- O que for que aconteça.
- ...
- Para com isso. Vamos logo?
- Pra onde?
- Pra lá.
- Lá aonde?
- Lá. Depois dali.
- João.
- Oi.
- Ai, João.
- Que foi?
- Por favor...
- Por favor, o que?
- Por favor, me diz onde eu estou!
- Ora bolas, já disse várias vezes!
- Não! Não! Eu me recuso a acreditar que esse lugar seja simplesmente aqui, que esse lugar não tenha nome!
- E quem disse que não tem nome?
- Vocês!
- Nós? Nós não, e com mais certeza, não eu!
- Caramba! Você sim! E também o Vicente. E também o Félix! E aquele outro cara!
- Eu não!
- E muito menos eu!
- Sem sobra de dúvida não eu!
- Oi Raul!
- Oi Raul!
- Oi Raul!
- Raul?
- Oi João. Vicente. Félix... E oi novato.
- Já de volta Félix?
- Já sim João, só de passagem de novo. Até mais pessoal!
- Até.
- Até.
- Até.
- ...
- Também vou indo, está na ora de ir acolá.
- Tchau Raul.
- Vá com Deus.
- ...
- Até pessoal. Falando nisso, o novato tá estranho. Tá até babando.
- ...
- Eca. Vou voltar pra lá João.
- Até Vicente. Agora vejamos, vamos limpar essa baba e levantar esse novato.
- Não sou novato!
- Claro que é.
- Não, não sou.
- Sim, é. Agora segura minha não e levanta.
- Tá. Mas não sou novato.
- É sim.
- Não! Não sou!
- Você nasceu aqui?
- Não.
- Já veio aqui antes?
- Não, mas...
- Então é novato.
- ...
- Não faz essa cara.
- Que cara?
- Essa daí.
- Essa é minha cara. Não tenho outra. Que tem de errado com ela?
- Nada, só essa cara que você tá fazendo. Parece que vai chorar, está tentando assobiar e está resolvendo uma equação biquadrada ao mesmo tempo. Tudo isso chupando limão.
- Olha, vamos deixar minha cara de mão tá? Você tava dizendo que esse lugar tem um nome.
- Sim, tem.
- E por que não me disseram antes?
- Por que você não perguntou.
- ...
- Agora além de chorar e assobiar enquanto está resolvendo uma equação biquadrada e chupa limão, parece que levou uma topada no dedo mindinho. E tem alguém lhe fazendo cócegas.
- É mesmo!
- Esqueceu algo Félix?
- Não, só indo ali.
- Tchau Félix.
- Tchau João.
- ...
- Gente boa, o Félix.
- João...
- Oi.
- João...
- Diga.
- João!
- Oi.
- ...
- Agora você está chorando.
- Sniff... Sniff..
- Pelo menos não parece mais que está chupando limão.
- João...
- Pois não meu amigo!
- Ai João!
- Diga homem!
- ...
- !
- ...
- !
- João!
- Oi.
- Por favor, pode me dizer qual é o nome deste lugar?
- Claro que posso!
- E qual é o nome desse lugar?
- Aqui é Lugar Nenhum.
- ...
- Cuidado novato!
- Que barulho foi esse João?
- Acho que o novato teve um infarto e morreu.
- Mas não pode morrer aqui.
- Eu sei Vicente, acha que eu não disse isso?
- Tá, desculpa. É que registrar é muito chato.
- Eu sei. Mas cada um tem que fazer sua parte.
- Vou voltar pra lá.
- Tudo bem. Acorda amigo. Ei novato, acorda.
- ... Eu não morri? Eu juro que senti meu coração explodir.
- Você bem que tentou, mas é proibido morrer aqui.
- ...
- Para de fazer essa cara!
- Tá. Deixa só eu me sentar.
- Fique a vontade.
- Quer dizer que... que eu estou em Lugar Nenhum? É isso?
- Sim.
- Só isso, simples assim, estou em Lugar Nenhum?
- É.
- É?
- É.
- Tá.
- Tá certo.
- E agora?
- E agora?
- É!
- É?
- É ué!
- É ué o que?
- É ué, e agora?
- É ué e agora o que?
- É ué e agora o que a gente faz.
- Sei lá. Quer ir pra Algum Lugar?
- ...
- Vicente, ajuda aqui que ele morreu de novo.
- Vicente foi ali, deixa que eu ajudo.
- Obrigado Félix.
- De nada.
- Tchau Félix.
- Tchau João.
- ...
- Acordou novato?
- ...
- É impressão minha ou tá com raiva?
- Não, só tive um derrame.
- Acontece.
- O que?
- Derrames, acontecem.
- Pois é.
- É.
- Ok, pois vamos pra Algum Lugar.
- Tá, vamos nessa.
- E onde é Algum Lugar?
- É logo ali.
- ...
- Ai ai, que novato frouxo. Vicente!!!!
- Tô chegando.
- Ajuda aqui a por ele no ombro.
- Ruff, que pesado.
- Valeu Vicente.
- De nada João.
- Vou levar ele pra Algum lugar.
- Ok.
- Olha lá Vicente.
- Ih, chegou outro novato, vou avisar o Raul pra ir receber ele.
- Tá certo. Daqui a pouco vou lá.
- Tudo bem.
- Ei Raul, olha lá, mais um novato perdido.
- Xá comigo que estou indo.
- Vá que eu vou registrar.
- Ei, ei, você aí sozinho.
- Bom dia.
- Bom dia!
- Você sabe me dizer onde eu estou?
- Bem aí.
- Mas aqui onde?
- Aí, ué.
...


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